Atualizado: Olivier Assayas fala sobre Kristen na Vogue Paris 7

By Kah Barros - 11:47

Tradução
Eu acabei de fazer um filme com ela,
mas não posso dizer que conheço
Kristen Stewart, isso é provavelmente
devido à sua natureza e a minha, e que
também se refere, provavelmente para
afinidades mais profundas, mais
intimistas, um pouco não formuladas,
aquelas que me atraiu para ela, aquelas
que a atraiu para mim. Outras pessoas
são mais familiarizadas com sua
carreira, para mim é um processo mais
longo, turvo e provavelmente vindo de
sua aparição em um filme de Sean
Penn, fotografado por Eric Gautier e
adaptado por Jon Krabauer; foi uma
silhueta de uma garota (muito) nova que
eu mantive em mente, além das
qualidades reais de Na Natureza
Selvagem.
É difícil, então, de imaginar que um dia
nossos caminhos iriam se cruzar, tanto
nos filmes quanto na vida. Eu acredito
muito em curto-circuito. Esse deve tudo
à Kristen Stewart e a ousadia e espírito
de rebelião que a definem. É isso que a
faz uma boa atriz? Não é essa a
pergunta, é possível, mas não essencial:
É acima de tudo, o que faz com que ela
viva, o que faz com que ela preencha a
tela com uma intensidade, uma
violência também, que aniquila tudo o
que pode ser morno, falso, para jogar
perto da zona que ela irradia.
Isso é ainda mais perturbador porque
ela não vem de algum subúrbio ou
marginalidade, ela vem de Los Angeles,
o coração da indústria, e não sua
aristocracia, um pouco como uma
classe-média conformista. E ainda
assim ela é determinada pela ruptura,
uma liberdade de movimento quase
selvagem, que não deve nada a
qualquer sugestão previsível, seja moral
ou estética. Não é boba, ela não deve
uma explicação a ninguém. Bella Swan
em Crepúsculo, uma silhueta em Na
Estrada, ou carregando Branca de Neve
e o Caçador por si mesma, ela está lá
por inteiro, toda vez, sem recuo, sem
insinuações, sem julgamento, nessa
evidência que só pertence a ela e a faz
passar através dos filmes por diagonais
inspirados por uma intuição animal.
Ela possui um alter ego como todas as
atrizes, mas talvez isso seja mais
radical nela. Existe sua privacidade,
protegida por uma casca dura,
constituída no segredo mais bem
guardado, aquele que se esconde na luz,
como ela cresceu no set. E então, há esse
outro que ela se torna assim que a
câmera está ligar, em que ela empresta
esse poder, essa verdade nua que nós
não podemos saber como foi adquirida,
de onde vem e a natureza exata
consciência que ela tem disso.
Charles Gillibert, que produziu Sils
Maria, estava com Nathanaël Karmitz, o
produtor de Na Estrada, foi com ele que
conheci Kristen pela primeira vez. Uma
noite em Silencio, não é o lugar mais
propício para conhecer alguém. Nós nos
vimos muito tempo depois, depois de
concordar em nos comunicar no Skype
e decidir que trabalharíamos juntos: foi
em circunstâncias ainda mais abstratas,
um desfile da Chanel no Grand Palais,
as modelos evoluíram em ruínas
inspiradas em desenhos de Enki Bilal, o
mínimo que podemos dizer é que ela
estava em representação. Nós fomos
juntos, tentando o máximo que
podíamos ter uma conversa normal. No
dia seguinte, nós almoçamos no
restaurante do hotel – um fã roubou as
chaves da minha moto, pensando que
eram as dela. O essencial estava no
implícito; e o explícito realmente queria
evitar danificar o que não foi dito. Ela
estava feliz, eu acho, por ter a
oportunidade de se aventurar em um
território que ela provavelmente
fantasiou, mas não era familiarizada, o
cinema europeu. E depois para ser
confrontada com uma atriz, cuja
liberdade de tom e movimento a
inspirou, Juliette Binoche. Eu estava
sentindo um estranho desequilíbrio,
como se ela soubesse melhor do que eu
o porquê de estarmos ali. Como se tudo
fosse mais claro para ela, na verdade,
essa é sua força, tudo é claro como
cristal para ela, ela manteve que a
capacidade das crianças para decifrar o
mundo com o laser. Para mim, nada
era claro, além de que nunca é claro, a
menos que eu estou no set, não
enfrentando os atores, mas os
personagens que retratam, no meio do
caminho entre eles e eu. Eu acho que é
só nesse momento que eu consigo
entender como unir os pedaços. Eu não
digo que não confio na minha intuição,
é ao contrário, eu confio nas bordas da
irresponsabilidade, no entanto, eu sei
que em filmes o que conta não são os
elementos isolados e sim sua química.
Eu percebi que Kristen tinha o bastante
para estimular e até empurrar Juliette,
eu não sabia se ela saberia ser
empurrada por Juliette, se ela se
colocaria em perigo, se visitaria novos
espaços em um cinema que ela ainda
não explorou, se isso podia estar aberto
para ela. Tem algo misterioso na
relação que construímos –
inconscientemente- com presenças que
assombram o cinema. As filmagens de
Sils Maria foram avançadas e a silhueta
da estrela de Crepúsculo começou a
desaparecer, reduzida para uma aura
sobrenatural, quando eu me lembrei de
ver Kristen muito tempo atrás em O
Quarto do Pânico, não é o melhor filme
de um dos melhores diretores atuais,
David Fincher – ela era a filha de Jodie
Foster. Eu tinha esquecido. Ao invés
disso, eu estava pensando em The
Runaways. Uma biografia não muito
boa sobre a banda criada por Kim
Fowley, da onde vem Joan Jett por quem
eu sempre tive uma fraqueza desde
Cherry Bomb, na verdade (sou o único
interessado nela desde que ela tocou em
um filme de Paul Schrader, Light of
Day?). Kristen deu luz com tanta
realidade, vinda de um tempo em que
ela não conhecia, e que eu achei
impressionante. Muitos seixos brancos
que marcam o meu caminho não só à
Kristen, mas a essa parte dela que tenta
encontrar a si mesma, dando vida a
algumas das áreas do cinema de hoje, as
mais vulneráveis e, ao mesmo tempo
menos visíveis.
Eu sempre admirei a coragem das
atrizes e especialmente quando elas vão
à procura de aventura e desafiam-se no
desconhecido. Juliette Binoche que
encontra Abbas Kiarostami, Isabelle
Huppert seguindo Brillante Mendoza
para a floresta ou Maggie Cheung
quando veio para Paris filmar, longe de
suas marcas em Hong Kong, um filme
de um diretor francês cuja notoriedade
ainda era confidencial, eu mesmo. Eu
constantemente pensava nelas
enquanto assistia Kristen no set de Sils
Maria. Eu não fiz nada mais fácil para
ela, nossos sets eram situados em
algumas das regiões mais isoladas da
Europa: Leipzig, Engadine e South
Tyrol. Ela estava sozinha na maior
parte do tempo, só com uma assistente
fazendo companhia, embora sorridente
e devotada. Não é apenas sobre a
isolação geográfica – difícil voltar pra
L.A. no final de semana, no entanto –
mas sobre a situação de
vulnerabilidade em que ela se
encontrava. Não precisava dizer que as
nossas locações não davam para ela o
conforto com que estava acostumada –
nas montanhas, nós podemos até dizer
que era simples. Eu não estou dizendo
que ela está acostumada com um casulo
e que ela estava sentindo falta, eu acho
que ela odiaria essa ideia, mas que seus
hábitos de trabalho e concentração
estavam determinados por sugestões
que ela não tinha lá. Ela não fala
francês que, apesar de nossos esforços,
permaneceu como a segunda língua no
set, e estava imersa em um ambiente
estranho e desconhecido. Nunca tivemos
um ensaio – nem uma mesa de leitura –
e até as gravações estavam mudando,
nunca estabilizadas, abertas ao
improviso, ao questionamento das
situações mais fortes.
Isto é provavelmente devido à
personalidade de Juliette Binoche, o
respeito que ela inspirou em Kristen;
ela viu um modelo. Não um modelo
como uma atriz, mais como um modelo
de independência, da soberania, vis-à-
vis as leis de cinema. Juliette construiu
sua carreira transgredindo, se expondo
sem reservas, sem restrições, de se
aventurar em territórios que ela não
sabia nada sobre, arriscando perder-se.
No fundo Kristen sabia, por instinto,
que liberdade é a única coisa que conta
e o que ela estava procurando em
Juliette era a chave. Eu estava com
medo que ela não se deixaria ser
abalada, mas foi o contrário, ela veio
porque ela queria ser abalada, ela
queria ser botada em perigo porque
além de sua própria virtuosidade – o
controle de sim mesma e todas as
diferenças de sua atuação que ela
aprendeu vivendo sua vida nos filmes,
desde pequena – ela sabia que havia
outra dimensão de abnegação, onde a
espontaneidade e a linguagem do
inconsciente têm precedência. Às vezes,
os atores são movidos por cinefilia, pela
fumaça e espelhos de um prestígio
artístico ou intelectual associado com o
cinema independente – e eu não digo
isso somente do jeito negativo, essas
alianças podem ser mutuamente
benéficas – mas não há um pingo de
cálculo em Kristen. O que a move é
coragem, determinação e um segredo de
uma jovem atriz que descobre a riqueza
e a complexidade de sua arte, que se
sente magnetizada por áreas onde ela
será capaz de experimentar e viver tais
coisas. Apesar de o status adquirido na
indústria, a atenção da mídia não-
convencional a que é submetida, por
mais que isso traga benefícios para ela,
isso a colocaria, prenderia para ser
mais exato, em um quadro vinculativo,
redutor e com resultado sufocante.
Eu estava falando sobre o segredo, eu
acho que o mistério indecifrável que
Kristen pode ter e as certezas não
formuladas que eu tinha percebido
durante nosso primeiro encontro, veio
exatamente disso: o que ela está em
processo de se tornar, ela mesma, de
forma clandestina, por atalhos.
Aplicando esta lei não escrita que rege a
Hollywood – ser livre, mas a nunca
dizer uma verdade que não segue as
regras estabelecidas da indústria. Passo
a passo, ela aprende sozinha como ser
uma pessoa pensativa e singular, uma
figura totalmente diferente no cinema
americano. Ela está inventando um
lugar para si mesma – não é mais uma
questão de provar nada, mas para
realizar-se em um único caminho que
vale a pena, na existência e na arte,
tanto inseparáveis. Basicamente fazer
tudo o que foi até agora proibido.


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