Ccine10: The Rover é marcado por boas atuações e roteiro bem elaborado
Um dos grandes méritos de “The Rover
– A Caçada” (The Rover), segundo longa
do diretor David Michôd, está em
unificar de forma notável o subjetivo do
seu protagonista, com aquilo que é
mostrado em cena para o espectador.
Dessa forma, o filme é quase todo como
uma viagem conduzida pela percepção
do personagem de Guy Pearce, como se
o psicológico dele se manifestasse na
imagem, sem que necessariamente o
diretor busque transformar sua
produção em um thriller psicológico – é
tudo se manifestando nas entrelinhas,
de forma que cabe ao público perceber
isso.
Baseado em uma ideia do próprio
Michôd, a história se passa na
Austrália, 10 anos depois de um colapso
econômico. Pessoas vivem em situações
precárias e fazem de tudo por dinheiro.
Um homem (Pearce) tem seu carro (o
único bem que possui) roubado por
uma gangue de bandidos. Furioso, ele
parte em uma busca para recuperar o
automóvel, esbarrando no meio do
caminho com Rey (Robert Pattinson),
um garoto com alguns problemas e
irmão mais novo de um dos integrantes
da gangue.
As ambientações nos desertos
australianos, alinhada ao figurino das
personagens, refletem o misto de vazio
e desordem no qual vive não só aquela
população, mas a mente do
protagonista. Não por acaso, ele
também passou por momentos difíceis
em sua vida dez anos antes, sendo o
colapso do país funcionando como uma
metáfora para seus problemas.
Como o protagonista parece estar alheio
a tudo que não envolva seu carro –
quase como um espelho da sociedade
individualista contemporânea – o longa
ganha um tom de monotonia, que é
quebrado várias vezes por disparos de
armas de fogo que fazem os
personagens sangrarem sem
repreensão. É uma violência chocante
de início, mas ao mesmo tempo é
natural naquele universo narrativo.
Esse clima do filme ainda se reflete no
modo como alguns personagens agem,
sem grandes explicações para suas
ações na primeira parte do longa. Por
causa disso, o começo do filme parece
até surreal e o espectador pode se
perguntar “mas por que eles estão
fazendo isso?”. As respostas podem vir
ou não algum tempo depois, uma vez
que o roteiro deixa para o público
completar algumas lacunas com sua
própria interpretação. Porém, vale
ressaltar que algumas justificações e
motivações podem ser um pouco
superficiais, deixando a desejar (em
especial aquela exposta ao final).
O roteiro ainda chama atenção pelos
seus diálogos bem trabalhados e cheios
de emoção, que ganham ainda mais
força quando entonados pela boa
atuação de Pearce (presente na maior
parte das conversações). De fato, Pearce
é capaz de criar um homem duro e
rígido com o mundo, mas que ainda
assim é machucado pelo passado, dando
oportunidade para que Michôd faça
com quem algumas sequências se
foquem quase totalmente no rosto do
ator, que se expressa de forma natural,
trazendo grande veracidade para o
longa.
Pattinson não fica muito atrás, sendo
obrigado a agir em diversos momentos
difíceis. O jovem ator é capaz de
mimetizar cacoetes naturalmente para
o estranho Rey, e só se perde um pouco
na hora de fazer o sotaque australiano,
que fica um pouco esquisito, mas nada
que o desmereça sua atuação, muito
mais ligada à expressão corporal do que
à fala.
Explorando o melhor do trabalho de
seus atores, e tendo o roteiro e a
direção primorosos de Michôd, “The
Rover” se torna um filme
agradavelmente alinhado e planejado,
utilizando bem seus principais artifícios
para entregar ao público uma obra
reflexiva e atual.
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