Kristen Stewart sobre interpretar Diana: 'Eu acredito em uma energia persistente.'
Cuidado! A entrevista abaixo contém spoiler.
Spencer, o novo filme sobre a Princesa Diana, definitivamente não é The Crown. A grandeza reconfortante da série de Peter Morgan para a Netflix, cujas locações decoradas com tapeçaria são o cenário de turbulência interna enquanto desejos privados atingem a barreira do dever público, não são para Pablo Larraín. Spencer, a história imaginária que se passa em três dias horríveis em Sandringham em 1991, é muito mais gótico. A casa imponente de Norfolk se torna um tipo de Overlook Hotel do clássico de terror de Stanley Kubrick, O Iluminado, através de corredores infinitos e confusos em que a câmera atormenta e ataca a Diana de Kristen Stewart enquanto sua psique desmorona.
Stewart e Larraín estão comigo em uma sala no Zoom: o diretor está com a câmera desligada, um mero quadrado preto e uma voz cortês chilena; Stewart, uma presença relaxada e entusiasmada em um espaço doméstico, está usando uma blusa vermelha larga, seu cabelo solto e loiro.
Larraín ama a comparação com Kubrick, originalmente feita na crítica do The Guardian no Festival de Veneza, onde o filme estreou. “Ele estava tão animado em ler aquilo”, diz Stewart.
Para a personagem de Diana, no entanto, a “referência principal”, segundo Stewart, foi aquele inesquecível retrato de uma mente encurralada na insanidade de Gena Rowlands em Uma Mulher Sob Influência, filme de 1974 de John Cassavetes – “talvez não os detalhes da personagem,” diz Larraín, “mas a sensibilidade.” Em Spencer, que se passa na reunião de três dias da família Real para o Natal, nós vemos a princesa desesperadamente empunhando um alicate em um vestido de gala; invadindo sua casa de infância em ruínas; e, estranhamente, agarrando tão ferozmente seu colar de pérolas durante o terrível jantar de véspera de Natal que elas caem em sua tigela de sopa, então ela as pega com uma colher e mastiga. O filme, caso não esteja claro, deixa os limites do realismo muito para trás. Não tenho certeza se é recomendado para os filhos de Diana; apesar de, assim como em Uma Mulher Sob Influência, o único lugar de estabilidade para a protagonista é seu relacionamento terno com os filhos.
Stewart passou alguns meses aperfeiçoando sua Diana, ela diz, resultando em uma evocação da dicção sussurrante e apressada da princesa com uma risadinha que foi perfeita o bastante para permiti-la sentir liberdade no papel. Seu professor de dialeto foi William Conacher, que foi professor de todas as Dianas: Emma Corrin em The Crown e Naomi Watts em Diana. O sotaque, ela diz, foi importante, mas mais importante eram todas as maneiras: “Ela tinha um jeito tão particular de falar e me fez sentir algo tão específico”, ela diz. “É como um exercício de corpo inteiro – uma coisa muito muscular e sem intuição, mas extremamente instintiva. Era estranho. Eu precisava dominar isso para não estragar tudo.”
Ela continua: “Não sei se acredito em algo. Eu não acredito em fantasmas, mas não desacredito. Acredito em uma energia prolongada. Eu a aceitei, fosse minha ideia sobre ela ou não, ou algum remanescente literal.”
Talvez eu pareça um pouco assustada, porque ela adiciona: “Acho que parece maluco começar a falar coisas assim. Mas não havia um dia em que não pensava: “O que ela acha disso? Me pergunto se ela consegue me ver?’”
De fato, parece excêntrico. Novamente, deve ter sido estranho mergulhar-se na mulher mais famosa, amada e vulnerável do mundo. “Acho que a diferença entre interpretar alguém que existiu e alguém imaginário, é falar sobre isso depois e se perguntar como as pessoas irão receber,” ela diz. “Porque quando você está criando um personagem do zero, você ainda cria uma mitologia, uma lista de fatos que são verdadeiros para a pessoa que você construiu para que ela seja completa para você.”
“Eu não sou a Princesa Diana, não posso saber tudo sobre ela. Ela está no nosso filme, é uma personagem. Ela existe nessa história como algo que sinto por completo”, ela adiciona. Larraín ter falado sobe Uma Mulher Sob Influência, dizendo para ela: “Acho que vamos tão longe e forte quanto”, foi emocionante e assustador, como o sentimento “antes de sua bicicleta descer a colina em alta velocidade e você pensar: “Oh, merda!’”
Em Spencer, o espectador é levado para os eventos pela perspectiva desequilibrada de Diana, assim como em Jackie (2016), também de Larraín, onde os dias seguintes do assassinato de John F Kennedy são vistos através do luto de sua viúva, interpretada por Natalie Portman. (“Acho que não teria feito Spencer sem Jackie”, diz Larraín. “Uma coisa levou à outra. Ambas as mulheres tiveram que lidar com a mídia de jeitos diferentes, ambas estavam ligadas a famílias poderosas e casadas com homens poderosos, e ambas foram mulheres que encontraram um jeito de criar suas próprias histórias e encontrar suas identidades. Mas se Jackie é um filme sobre luto, memória e legado, acho que Spencer é sobre identidade e maternidade.”)
No começo de Spencer, Diana está dirigindo até Sandringham sozinha em seu Porsche de teto aberto – uma atitude rebelde, já que ela está sem seguranças ou vigilantes. “Onde diabos estou?” Ela pergunta em voz alta. Está completamente perdida, fisicamente e espiritualmente, e fica mais ainda assim que entra pelos tristes portões de Sandringham.
Os exteriores de “Sandringham” foram, na verdade, filmados em um vasto castelo alemão, suas fachadas tão vazias e normais com uma prisão, em vez de qualquer coisa parecida com a arquitetura caótica de 1880 da verdadeira casa de Norfolk, adiciona o sentimento de que Diana está entrando, nas palavras de Larraín, “em um labirinto infinito” – um lugar que é, de jeitos sinistros, “uma extensão de sua própria psicologia.” Mais tarde, me pergunto se Steven Knight (quem escreveu Coisas Belas e Sujas e foi um dos criadores de Quem Quer Ser um Milionário?) assimilou as notáveis anotações privadas que James Pope-Hennessy fez sobre Sandringham nos anos 50, compiladas por Hugo Vickers no recente livro The Quest for Queen Mary. Para Pope-Hennessy – o biógrafo oficial da Rainha Mary, a avó da Rainha – Sandringham era “enfaticamente, quase hedionda e sombria de forma desafiadora… uma casa abominável com uma atmosfera horrível em partes, e em outras sem atmosfera alguma. Era como visitar um necrotério.”
Diana está presa lá tão quanto Wendy Torrance está presa em O Iluminado. “É um espaço frio de repressão,” diz Larraín, “um espaço que representa opressão e o medo ao lado, que está em crise com uma personagem tão frágil e calorosa como a Diana.” Não que Diana seja completamente compreensível. Stewart descreve a vida interior contraditória de sua personagem como “essa compulsão, purgação, ódio por si mesma e arrogância.” Um tiro no escuro pode não ser surpresa vindo do diretor do filme tristemente engraçado Tony Manero (2008), um dos primeiros filmes de Larraín em espanhol durante a ditadura de Pinochet, sobre um homem que comete assassinatos em busca de sua obsessão por John Travolta em Embalos de Sábado à Noite.
Labirintos geralmente contém monstros. Spencer para um pouco antes de sugerir que o verdadeiro minotauro no coração deste labirinto é a família Real. A Rainha e os outros são apresentados como meras sugestões, presenças de espectro vagas, com a exceção, talvez, do Príncipe Charles, que não é tão diabólico quanto terrivelmente frio. É o cavalariço terrivelmente sinistro de Timothy Spall, seu rosto como uma lápide, que realmente assusta Diana (e o espectador). Em uma cena memorável, ele entra na cozinha onde a princesa, de madrugada e no domínio de um distúrbio alimentar, está contemplando torres de bolos, doces e petits fours.
São cenas como essa que enviam um alerta para não confundir Spencer com nada realista. (De fato, o filme empregou dois conselheiros sobre assuntos reais, um deles distribui conhecimento em The Crown, o cortesão David Rankin-Hunt, que trabalhou na realeza por 33 anos.) O filme nos convida a ver a comida não como uma representação precisa de um jantar em Sandringham (o que imagino ser muito mais simples do que vemos), mas como algo que, visto pelos olhos do distúrbio alimentar de Diana, se torna tentador, ameaçador e esmagador. Tudo isso se desenrola de maneira particularmente distorcida durante aquela cena no jantar de véspera de Natal, iluminado por velas de modo extravagante à la Barry Lyndon – um filme que, de acordo com Larraín, foi uma referência mais consciente a Kubrick do que O Iluminado.
Um quarteto de cordas toca para a família reunida, mas conforme a cena se desenvolve, a música gradualmente se transforma de animada para jazz. Jonny Greenwood, do Radiohead, compôs a trilha sonora. “A ideia original que propus ao Pablo,” ele me conta por email, “era contratar uma orquestra barroca, escrever algumas músicas inspiradas em Handel, e enquanto eles estivessem tocando, substituir um por um por músicos de jazz – então, um trompetista de jazz pelo trompetista natural, um organista de jazz substituindo um de igreja, e assim em diante. Ter essas transições acontecendo em várias velocidades.” É mais ou menos o que aconteceu, apesar de, por causa das restrições pelo Covid, eles só puderam usar oito músicos por vez em um cômodo. “Funcionou na maior parte, exceto uma deixa desastrosa que parecia o tema de Antiques Roadshow tocada por bêbados”, ele adiciona. “Terror gótico certamente era o objetivo. Quero dizer, aqui temos a menina inocente atraída para o gigantesco e frio castelo, com criados aparecendo do nada e montanhas de comida impossivelmente perfeitas. Acho que são metáforas interessantes para focar. E apenas brincar com o contraste colorido entre as coisas barrocas e de jazz; Diana era bem colorida e rebelde nesse ambiente.” Larraín cortou a cena para a trilha. Para ele, o jazz representa como o filme ajusta sua perspectiva de uma realeza calma e formal para “a crise psicológica interna de Diana”. O jazz aponta para o caos interno de Diana, mas também, no final, para sua saída desse pesadelo.
Diana tem aliados no filme, um deles é a camareira, Maggie, interpretada por Sally Hawkins, que em um momento (alerta de spoiler) confessa seu amor – seu verdadeiro e apaixonado amor – pela princesa. É um momento um tanto chocante. Pelo que Larraín sabe, havia uma verdade nisso? “Provavelmente é uma pergunta para o Steve,” diz Larraín, “mas acho que provavelmente é uma invenção completa.”
Stewart comenta. “Diana era frustrante e divisiva, mas muitas pessoas estavam verdadeiramente atraídas e apaixonadas por ela sem seu conhecimento. Ironicamente, ela também era alguém que era profundamente rejeitada… O que eu realmente amo sobre aquela cena é assistir alguém ingenuamente, fora desse buraco profundo de isolamento, ser presenteada com amor e cuidado forte e honesto.”
Diana recebe, então, um alívio temporário. A luz entra pela escuridão. No entanto, parece que o filme – através de dicas, algumas imagens não muito leves de um faisão morto – convida o público a formar a conclusão de que a família Real foi diretamente ou indiretamente responsável pela morte de Diana, seis anos depois dos eventos retratados. É o que Larraín pensa? “Não é que eu queira evitar a pergunta, mas não quero ser a pessoa que diz para o público o que enxergar e o que sentir”, ele diz. “Meu trabalho é colocar essas coisas na tela para que todos tenham suas próprias conclusões.” Entenda como quiser.
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