À espera dos bárbaros: Ciro Guerra continua a questionar a civilização
By Kah Barros - 15:46
Ciro Guerra retorna com "Esperando os Bárbaros". Se ele gosta da presença de Johnny Depp e Mark Rylance nos papéis principais, o cineasta não muda até agora para questionar a civilização e sua perda de humanidade.
É com seu terceiro filme, O abraço da serpente (2015, apresentado na quinzena dos diretores), que Ciro Guerra teve direito a um sério reconhecimento internacional. Lá dentro, o cineasta colombiano opôs a civilização a um povo indígena por meio de um etnobotânico que, com a ajuda de um xamã da Amazônia e último sobrevivente de sua tribo, procura uma planta capaz de curar doenças. Depois de The Wild Birds (2018), onde um garoto de uma aldeia de índios nativos embarca no tráfico, Ciro Guerra já está de volta com Waiting for the Barbarians, adaptação de Waiting for the bárbaros de J.M. Coetzee.
Desta vez, é em um deserto sem nome, em um momento desconhecido que o filme está se desenrolando. Na fronteira entre o Império e os últimos povos nômades, é um forte administrado por um magistrado britânico (Mark Rylance). Os membros do poder decidem enviar o coronel Joll (Johnny Depp) em antecipação a uma invasão bárbara.
Uma civilização ainda bárbara
Desde a primeira reunião entre o magistrado e o coronel, entendemos que tudo se opõe a eles. Mais antigo, o magistrado encarna um mundo passado, evoluindo em uma micro-sociedade ainda simples, onde todos parecem viver relativamente em paz. O coronel, com seus óculos de sol (objeto desconhecido para o magistrado) e seu método de interrogatório baseado na paciência (uma palavra melhor que tortura), representa o mundo moderno e, portanto, anuncia um caos por vir.
Essa ideia do fim do mundo, de uma época ou de uma civilização, não é diferente do recente pôr do sol de László Nemes. Além disso, o coronel se apresenta como um representante direto do Império - que nunca será visto senão por ele ou por seus soldados. Um império que está se expandindo ao submeter os povos nômades considerados bárbaros perigosos. Um império paranóico e violento que, após semelhanças com o Império colonial britânico, pode evocar a América em diferentes períodos de sua história. Podemos pensar em caçadas às bruxas durante o McCarthyism, mas também no Vietnã, Iraque, presidência de Donald Trump ou, muito mais longe, no Extremo Oeste.
A propósito, parte de Waiting for the Barbarians aparece como uma inversão do famoso The Prisoner of the Desert, de John Ford. Pois, testemunhando as atrocidades pelas quais o povo nômade começou a sofrer, e depois de coletar e tratar uma mulher torturada pelo coronel, o magistrado decidiu fazer penitência. Primeiro, lavando, até a exaustão, os pés feridos da mulher, depois comprometendo-se a trazê-la de volta aos dela. Enquanto no filme de John Ford, John Wayne saiu por anos à procura de sua jovem sobrinha sequestrada pelos índios, o magistrado atravessa montanhas do deserto e uma tempestade de areia para conseguir trazer o nômade de volta ao seu povo. Um ato que o levará a ser deposto em seu retorno, incapaz de enfrentar um coronel capaz de arengar as multidões, para transformá-las em torturadores bárbaros sem um pingo de humanidade.
Mas Ciro Guerra não esquece de permanecer profundamente enraizado em nossa sociedade atual, apontando a ausência de verdadeiros heróis e questionando os valores que achamos que temos. Ao contrário do que ele imagina, o magistrado não é desprovido de defeitos. Antes desses eventos, ele também aproveitou sua posição com suas poucas concubinas. E sua administração do forte não é irrepreensível. Graças a esse personagem não maniqueísta, o cineasta realmente faz de Waiting for the Barbarians um mergulho fascinante na perda da humanidade. Uma visão sombria da sociedade e do homem que barbarizou mais rápido do que ele pensa.
Waiting for the Barbarians de Ciro Guerra, apresentado no Festival Deauville 2019. Em breve nos cinemas.
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