Kristen Stewart é capa da revista Sight and Sound - edição de dezembro

By Kah Barros - 19:33

 

Eram os primeiros dias de setembro e Kristen Stewart estava em seu quarto de hotel em Veneza. Era a calmaria antes do caos do festival de cinema, antes dos longos dias de entrevistas, fotos e, o mais importante, a estreia mundial de Spencer. Houve uma batida em sua porta: era o diretor Pablo Larraín, que queria dizer um rápido oi para sua atriz principal antes de tudo começar. Mas ele parecia estressado: não havia feito sua barba há um tempo e estava um pouco suado. “Eu não o conheço como uma pessoa nervosa”, disse Stewart. “E eu disse: ‘Acho que vai dar tudo certo. Mesmo se todos odiarem, o filme ainda vai ser verdadeiro com o que queríamos fazer – estamos bem!’”

Mas ninguém odiou. Bem o oposto, na verdade. “Estávamos eufóricos”, disse Stewart alguma semanas depois – através do bom e velho telefone direto de Los Angeles, preferível do que o Zoom – ainda soando contente (e aliviada) com a resposta. “Tínhamos algo tão especial. Tínhamos essa… Quero dizer, cada diretor e ator ama falar sobre seus relacionamentos especiais quando fazer um filme, mas sentíamos que esse filme tinha acontecido conosco. E nos divertimos muito correndo atrás dele, mais do que o normal.”

Um ano antes, Stewart era quem estava nervosa. Larraín (quem ela descreve como “um lindo cineasta” e “um homem sério”) ligou para ela para discutirem o papel. Ela ficou surpresa – em suas palavras, “apavorada” – mas a confiança dele era tão contagiosa e então, ela diz: “Eu falei: ‘Absolutamente!’ Porque eu ficaria com tanta vergonha da pessoa que eu seria se dissesse não.” E desse jeito, Kristen Stewart assinou um contrato para ser a Princesa Diana.

“Há certas coisas que aprendi, certas pressões e medos, que acompanham coisas importantes”, ela diz. “São efêmeras – se você não olhar, elas não existem, mas não significa que não estão lá. A razão pela qual aceitei tão rápido foi que se eu pensasse sobre isso, não aceitaria. Sabia que era um momento de nadar ou afundar. Eu estava disposta a não fazer bem, em um esforço para fazer bem. Entende?” Ela também estava ciente de que, como uma californiana de 31 anos, ela não era a escolha óbvia: “Eu absolutamente disse: “Você tem certeza? Porque essa é uma escolha louca para você fazer.”

Escolhas loucas e a ansiedade que as acompanham não são novidade para Larraín ou – talvez ainda mais – para Stewart. É algo que fascina sobre ela, uma mulher que após ser uma atriz mirim, estrelou em uma das maiores franquias dos anos 2000 (Crepúsculo) – se tornando a atriz mais bem paga de Hollywood no processo – e então nunca fez outra decisão previsível novamente. Filmes independentes, de estúdio, franquias, gêneros, artísticos: tentar desenhar uma linha narrativa através de sua carreira simplesmente termina em frustração e anotações que sinceramente psiquiatras teriam um dia e tanto para decifrar.

Então agora ela e eu estamos circulando a mesma pergunta por dez de nossos limitados minutos juntos. Eu perguntei de três modos diferentes, ela teve três tentativas de responder. Finalmente, ela diz, com uma risada: “Eu queria ter respostas melhores para você sobre isso tudo. Desculpa!” A pergunta? Qual é a linha direta? Por que ela faz as escolhas que faz – qual é o denominador comum? “Se você está falando sobre uma pessoa que está funcionando em um lugar de curiosidade, autodescoberta e arte, então você provavelmente pode, não sei, olhar para a carreira deles e pensar: “Hmmm, isso tem que significar algo.” Mas não fiz isso com meu próprio trabalho.”

Ela pensa um pouco mais, parece que está interessada em me dar uma resposta que satisfaça a mim e a você. “Digo que, recentemente, há certas coisas nos meus últimos filmes do tipo – corridas, correndo de algo, esforços – que me atraem e me satisfazem.” Esforços? O que isso significa? “Eu realmente gosto de correr em cenas.” Stewart diz um tanto literalmente, explicando que nos primeiros takes de tudo que ela faz, incluindo Spencer, é “um certo primeiro passo que parece bom. Sempre começo correndo ou gritando.”

Stewart é claramente muito investida e entusiasmada por cada projeto individual, mas: “Quando você começa a pensar realmente em geral, tipo: “Hey, por que você está fazendo o que está fazendo?” Eu penso: “Espera um pouco, essa é uma pergunta mais difícil…” Sou bastante inarticulada antes de terminar de filmar um filme em relação a impulso e o que me motivou. Antes de fazer algo, geralmente penso: “Deus, isso realmente me anima”, e sinto que há perguntas que não precisam necessariamente de respostas, mas preciso preenchê-las com experiência.”

Mas ela por fim retorna para a resistência da própria ideia. “Mas não, eu teria que escrever uma redação sobre mim mesma, o que eu nunca vou fazer… Também, isso não é uma resposta para sua pergunta, mas eu estava tentando pensar em coisas consistentes nos meus últimos projetos, mas eu não faço ideia.”

Então, eu olho para a lista de papeis mais recentes de Stewart e tenho minha própria teoria. Maureen em Personal Shopper (2016), Jean Seberg em Seberg (2019), Norah em Ameaça Profunda (2020), Abby em Alguém Avisa? (2020) e Sabina em As Panteras (2019): é simples demais sugerir que ela escolhe mulheres conturbadas? “Acho que também era o que eu estava tentando dizer”, ela conta. “Há uma certa fuga de outra coisa. Uma certa invasão… como uma pessoa que faz algo ou tem um sentimento e após aquilo acontecer, as coisas ficam diferentes. Essas são histórias interessantes para contar.”

Então, em Spencer, onde Stewart interpreta possivelmente uma das mulheres mais conturbadas dentro da monarquia da recente história britânica: Lady Diana Spencer. Bem parecido com o retrato de Jacqueline Kennedy indicado ao Oscar e ganhador do BAFTA do diretor Pablo Larraín, Jackie (2016), Spencer desafiadoramente não é uma história do berço ao túmulo construída em fatos históricos incontestáveis. Stewart descreve como “um poema de tom sobre Diana. Uma destilação, uma impressão humana, sonho estranho, fantasia infernal.” Em vez de uma vida inteira, o filme foca em três dias durante o feirado de Natal em 1991 quando a Família Real se reuniu em Sandringham. O casamento de Diana com Charles estava nas últimas, e Diana – dependendo de como você interpreta – está se desequilibrando ou se libertando. É o momento de ruptura que Stewart se referiu mais cedo. “O que estávamos querendo mostrar era ela tomando as rédeas, é muito simples”, ela diz. “Ela apenas estava pensando: “Eu entrei nessa armadura e agora vou sair.” É obviamente mais fácil para qualquer pessoa no planeta fazer essa escolha. Foi historicamente uma decisão de colocar a casa abaixo.”

Como intencionado, o filme resultante não poderia ser mais distante de uma biografia convencional. É um terror gótico, uma história de fantasmas, um suspense psicológico surreal e uma boa e velha história de liberdade. É profundamente mergulhado na psique de Diana, uma imaginação parte verdade e principalmente ficção de sua vida interior – você percebe que é a única coisa nunca realmente conhecida sobre uma mulher que foi formada por nós pelos fragmentos que roubamos de sua imagem muito pública.

Foi uma imagem pública que Stewart conseguiu colocar as mãos e mente (e língua) durante seus seis meses de preparação para Spencer. Ela trabalhou todos os dias com um professor de dialeto, William Conacher (“um artista incrível de sua própria maneira”) e assistiu, estudou, ouviu e leu tudo o que podia encontrar, “confiando que encontraria seu caminho pelo meu corpo sem ser abertamente consciente.” Já que o roteiro não possui muitos diálogos, Stewart esteve livre para “escolher certas afetações e idiossincrasias que senti que realmente a definiam.”

O resultado é uma performance que absolutamente soa e parece com a Princesa Diana, mas talvez de forma mais importante, coloca um eco psicológico dela na tela, fazendo o público sentir Diana enquanto o filme te puxa para dentro de sua pele. E surpreendentemente, para um filme que está plantado tão dentro de uma mente aberta, para Stewart a performance foi de uma fisicalidade surpreendente. “É estranho”, ela diz. “Foi uma performance realmente muscular. Todos os dias eu estava tão exausta porque meu rosto estava se movendo de um jeito que não se move normalmente. Meu corpo estava em um tipo de ondulação constante.” Isso fala sobre as exigências feitas pela perspectiva completamente singular do filme. O ponto de vista de Diana é o único que nos é concedido. “Tudo era em seu interior”, diz Stewart. “Tudo era de dentro para fora. E eu me senti tão visível.”

Claramente é um papel que foi desgastante para Stewart, não só fisicamente como emocionalmente. “Eu estava maravilhada que no final ainda tinha tolerância emocional para deixar isso me afetar”, ela diz. Três ou quatro vezes na semana, ela lembrava que Diana havia morrido em um acidente de carro e “ficava destruída. Estávamos fazendo um filme sobre a sobrevivência, busca de vida, independência e felicidade de alguém. Realmente… me destruía sempre, o tempo todo. Até agora não consigo acreditar que isso aconteceu.”

Enquanto Stewart fala tão eloquentemente sobre nuances e desafios de interpretar a mulher mais fotografada e famosa do mundo, uma mulher que todos tinham sua própria ideia, uma clara linha de empatia e afinidade emerge. Apesar das diferenças de nacionalidade, aparência e estilo, há muito em comum entre as duas mulheres. “Mesmo quando todos pensam que sabem seu número e acham que sabem o que está acontecendo na sua vida privada, eles ainda querem uma certa… quase como se quisessem uma versão diferente daquela história”, ela diz sobre existir no olhar público. “É um lugar tão solitário e estranho para se estar, mesmo quando você está na mente das pessoas e tem essa “relevância”, mas é ao redor de coisas que não parecem verdade para você. Para ela [Diana], era tão devastador porque era tão básico, e ela não tinha muito além disso. É, eu só consigo imaginar. Já provei de fragmentos disso, coisas comparativamente superficiais. Estranhamente, ela estava na posição mais singular e desconhecida.” Stewart é empática agora. “Tudo o que ela queria era ser uma pessoa conhecida… Ela queria existir, queria que as coisas fossem reais!”

Stewart pode descrever suas próprias experiências de fama como menores comparadas com as da Princesa Diana, mas ela as usou para acessar essa parte dela? Stewart pausa, garantindo que irá responder precisamente. “Eu entendo o sentimento de pensar que todos estão olhando para você, mesmo quando não estão. No caso dela, as pessoas definitivamente estavam. Eu sei como é sempre ter olhos em você. E como agir de acordo. Ou, sabe, usar um certo jeito de comunicação que parece, acho que simplificando, um pouco manipulador. Mas se você está presa em uma posição onde não pode contar a verdade, onde não é permitida, você usa outras formas de comunicação para existir e se sentir vista. Eu definitivamente me relaciono com, sabe…

“Diana se sente incrivelmente encurralada em um canto durante esses três dias e há momentos de extrema vulnerabilidade, mas também há momentos em que ela está rosnando, porque ela é um animal, todos somos, e houve momentos onde tive profunda satisfação em interpretar alguém que não necessariamente dizia a coisa certa, dizia algo que poderia ser entendido como petulante ou, sabe, imaturo. Mas realmente, essa rebelião em particular, essa pequena quebra de regras, foi meio que uma vitória pessoal peculiar, eu podia completamente sentir empatia com isso. Só o sentimento de que todos estão olhando para você, mas ninguém realmente sabe o que está acontecendo e há pequenos jeitos que você pode se revelar. Isso eu pude entender.”

Claramente não é só a perturbação de Diana que Stewart entende, mas sua rebelião – o chute contra um sistema que exige conformidade e esmaga a diferença; um que Diana ainda tentou resistir de jeitos pequenos e grandes, enquanto o mundo assistia. Se Stewart tentou fazer o mesmo em momentos de sua vida, em sua carreira de atriz, ela terá ainda mais chances quando se tornar roteirista e diretora – enquanto ela ajuda a contar a história de outras pessoas. Ela recentemente completou o roteiro do que será seu primeiro filme, a adaptação da biografia de 2011 da escritora Lidia Yuknavitch, The Chronology of Water. Quando leu o livro pela primeira vez – sobre a jornada de Yuknavitch de menina para mulher através da natação, abuso, vício e perdas – não foi nada menos do que uma experiência profunda para Stewart. “Eu me senti tão vista e desbloqueada, realmente acreditei em mim mesma e queria dizer que sou escritora em vez de dizer: “Oh, eu escrevo às vezes.’”

Você sente que novamente é um momento para Stewart ajudar tornar o desconhecido conhecido, quebrar os limites do que pode ser relatado nas telas, seja agradável para certas pessoas ou não. “Eu ainda não ouvi o que parece ser estar dentro do corpo de uma mulher, de verdade”, ela diz. “Não estamos nem falando sobre como é lá dentro. Especialmente no cinema, somos tão inexploradas em termos de histórias de amadurecimento feminino, há coisas que ainda não vi e senti… Queria ser mais honesta, mais nojenta, mais vergonhosa e mais visceral”, ela diz. “Mal posso esperar para ver histórias com odores e que são lindas e transcendentes, mas feias e nojentas ao mesmo tempo. Acho que esse espaço não foi permitido para mulheres.”

Apesar de não ter sido sempre o caso, Stewart reconhece que agora vivemos em “uma época muito emocionante para as mulheres serem permitidas a terem uma perspectiva visual e emocional.” Ela fala com urgência e com convicção (com a ressalva de que “qualquer hora que você disser algo verdadeiro, você corre o risco de soar banal e pouco original”) sobre o potencial, o poder transformativo do cinema para mulheres e histórias femininas. “Porque o cinema permite que você entre em um corpo e penso que uma experiência interna não é algo que você pode convencer em uma conversa ou nada além de uma troca emocional e espiritual”, ela diz. “Penso que a mistura – e olha, todos pensam isso, eu estou soando como uma idiota – mas ser capaz de capturar imagens em movimento e criar um espaço sonoro, realmente ter o tempo e espaço para esticar nessa grade o que é parecer estar dentro de um corpo com essa composição existencial de presença constante, o único jeito de convencer alguém disso é em um filme.”

Esse pode ser o melhor e mais articulado argumento que ouvimos sobre o cinema em algum tempo. Mas, espera, talvez encontramos precisamente o motivo pelo qual Stewart faz o que faz: “Há partes que me atraem e histórias que tenho sorte de… tipo, estou vivendo em uma época onde ser cineasta e mulher ao mesmo tempo é extremamente emocionante e mal posso esperar para explorar isso.” Nós também não.

CAPA DA REVISTA



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